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quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Posse de Ricardo Lewandowski na Presidência do STF: Nova Era na Justiça Brasileira


JUDICIÁRIO E JUSTIÇA 



Aconteceu ontem à tarde, no Plenário do Supremo Tribunal Federal, em Brasília, com a presença da Presidenta Dilma Rousseff e de autoridades dos três poderes da República, a cerimônia de posse do novo Presidente do STF, fato que vira uma página sofrível na Justiça brasileira, quando a Constituição da República e outros dispositivos legais foram flagrantemente desrespeitados.

Integridade. Sobriedade. Equilíbrio. Elegância. Dignidade.

Ministro Ricardo Lewandowski inaugura uma Nova Era no Poder Judiciário brasileiro.

Saudamos e comemoramos efusivamente a chegada do Ministro à Presidência da mais alta corte do País.

Leia abaixo o discurso integral proferido por Lewandowski, divulgado pelo portal do Supremo.



Ricardo Lewandowski - Imagens Google

Presidenta Dilma prestigiou a posse do Presidente Lewandowski
Banco de Imagens STF


DISCURSO DE POSSE DO MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI NA 
PRESIDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 


"Nos dias de hoje, não são poucas as críticas veiculadas nos meios acadêmicos e na mídia em geral contra aquilo que é visto como um protagonismo mais acentuado - ou até mesmo exagerado - do Poder Judiciário, em particular do Supremo Tribunal Federal, quanto à tomada de decisões relativas a temas de maior impacto sobre a sociedade.

Alguns falam numa “judicialização da política”, enquanto outros mencionam uma “politização da justiça”. Ambas as expressões traduzem uma avaliação negativa acerca da atuação do Judiciário, ao qual se imputa um extravasamento indevido de suas competências constitucionais. Outra censura assacada contra o Judiciário diz respeito à morosidade na prestação jurisdicional, reclamação que, de resto, aparenta ser universal, tantas são as queixas registradas em outros países com relação à demora na solução dos processos."

Para melhor entendermos essas instigantes questões, faremos menção a um livro publicado no passado recente - mas que já se tornou clássico - denominado “Era dos Direitos”. Esse livro, pequeno em tamanho, porém denso em conteúdo, abriga artigos e depoimentos do jusfilósofo italiano Norberto Bobbio, há pouco falecido. Nele consta uma entrevista na qual Bobbio enunciava três problemas que, no seu entender, ameaçariam a sobrevivência da humanidade: o crescimento acelerado da população
mundial, a destruição gradativa do meio ambiente e a disseminação generalizada das armas de destruição em massa.

Indagado se, em meio a tal cenário sombrio, ele divisava algo de positivo, Bobbio respondeu que via com otimismo a crescente importância atribuída aos direitos fundamentais, tanto no plano interno quanto no âmbito internacional. Para Bobbio, isso seria revelador de um progresso moral da humanidade, e de que estaríamos ingressando na “Era dos Direitos”, na qual o grande desafio consistiria em abandonarmos a habitual teorização acerca deles para, agora, colocá-los efetivamente em prática.

Nesse contexto, o Judiciário confinado, desde o século XVIII, à função de simples
bouche de la loi, ou seja, ao papel de mero intérprete mecânico das leis, foi pouco a pouco compelido a potencializar ao máximo sua atividade hermenêutica de maneira a dar concreção aos direitos fundamentais, compreendidos em suas várias gerações. Ocorre que, assegurar a fruição desses direitos, hoje, de forma eficaz, significa oferecer uma prestação jurisdicional célere, pois, como de há muito se sabe, justiça que tarda é justiça que falha. Entre nós, inclusive, incluiu-se, recentemente, na atual Constituição um novo direito do cidadão: o direito à “razoável do processo”.

Mas inúmeras dificuldades emergem quando se busca colocar em prática esse novo direito. De início, vivemos, atualmente, no mundo todo, o fenômeno que o sociólogo português Boaventura Souza Santos classificou de “explosão de litigiosidade”. Tal evento, mais do que um signo dos múltiplos conflitos característicos da sociedade moderna, representa, em verdade, uma busca do homem comum, do homem do povo, por seus direitos, que descobriu que pode alcançá-los pela via judicial.

Entre nós, a Constituição de 1988, na prática, “escancarou” as portas do Judiciário, não apenas porque continuou a dar guarida ao consagrado princípio da inafastabilidade da jurisdição, segundo o qual nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direito pode ser subtraída à apreciação do Judiciário, como também porque colocou à disposição dos cidadãos vários novos instrumentos de acesso à Justiça, em especial as ações de natureza coletiva.

Não bastasse isso, o Judiciário, superando uma postura hermenêutica mais ortodoxa, que desvendava o Direito apenas a partir de regras jurídicas positivadas na Constituição e nas leis, passou a fazê-lo também com base em princípios, superando a visão tradicional que se tinha deles, considerados preceitos de caráter meramente indicativo ou programático. Os juízes começaram a extrair consequências práticas dos princípios republicano, democrático e federativo, bem assim dos postulados da isonomia, da razoabilidade, da proporcionalidade, da moralidade, da impessoalidade, da eficiência e da dignidade da pessoa humana, ampliando assim o espectro de suas decisões.

A partir dessa nova postura, o Judiciário começou a intervir em questões que antes estavam reservadas exclusivamente aos demais Poderes, participando, de maneira mais ativa, da formulação de políticas públicas, especialmente nas áreas da saúde, do meio ambiente, do consumo, da proteção de idosos, crianças, adolescentes e pessoas com deficiência. O Supremo Tribunal Federal, de modo particular, passou a interferir em situações limítrofes, nas quais nem o Legislativo, nem o Executivo, lograram alcançar os necessários consensos para resolvê-las.

A Suprema Corte, não raro provocada pelos próprios agentes políticos, começou a decidir questões controvertidas ou de difícil solução, a exemplo da fidelidade partidária, do financiamento de campanhas eleitorais, da greve dos servidores públicos, da pesquisa com células-tronco embrionárias humanas, da demarcação de terras indígenas, dos direitos decorrentes das relações homo afetivas, das cotas raciais nas universidades e do aborto de fetos anencéfalos.

Esse novo papel desempenhado pelo Poder Judiciário fez com que os casos submetidos à sua apreciação crescessem de forma exponencial. Em 2013, segundo o último levantamento do Conselho Nacional de Justiça, tramitaram no Judiciário brasileiro cerca de 95 milhões de processos. Naquele ano, foram ajuizados aproximadamente 28 milhões de casos novos, sem contar os feitos que ingressaram no Supremo Tribunal Federal.

Mediante um esforço quase sobre-humano os magistrados brasileiros - cujo número correspondia a aproximadamente 16.500 juízes - proferiram mais de 25 milhões de sentenças, o que resultou numa média de cerca de 1.600 para cada um deles. Não obstante esse excepcional desempenho, a taxa de congestionamento processual continuou elevadíssima, chegando a quase 71% das ações em trâmite. Isso, em grande parte, porque temos hoje quase 6.500 cargos em aberto, correspondendo a mais de 39% do total de nosso efetivo de juízes, por motivos que vão desde a falta de verbas para preenchê-los até a carência de candidatos motivados ou qualificados.

O Supremo Tribunal Federal, à semelhança do que ocorreu com o Judiciário como um todo, também foi contemplado com uma extraordinária sobrecarga de trabalho no ano passado. Ao longo de 2013 foram distribuídos 44.170 processos aos seus onze , que proferiram 85.000 decisões, das quais 72.167 monocráticas e 12.833 colegiadas.

Diante desse quadro, há quem diga que o Judiciário vive uma crise institucional ou, no mínimo, está diante de um impasse de difícil superação. Assumindo - apenas para argumentar – que isso corresponde à verdade, seja-nos lícito recordar uma conhecida imagem: quando escrita em chinês, a palavra “crise” decompõe-se em dois ideogramas – um representando “perigo” e o outro “oportunidade”. Valendo-nos dessa janela de oportunidade que o destino aparenta descerrar, buscaremos atingir, na Presidência do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, algumas metas, a seguir explicitadas.

Primeiramente, procuraremos acelerar a prestação jurisdicional intensificando o uso de meios eletrônicos para a tomada de decisões, ao mesmo tempo em que desestimularemos as ações de índole temerária ou protelatória, mediante os meios legais disponíveis.

Depois, daremos prioridade ao julgamento de recursos extraordinários com repercussão geral, mecanismo criado pela EC 45/2004, que permite que a Suprema Corte deixe de apreciar feitos que se resumam à discussão de interesses intersubjetivos, ou seja, aqueles que não tenham um impacto maior do ponto de vista político, social, econômico ou jurídico. Desde a adoção desse instrumento, o número de processos admitidos na Suprema Corte caiu pela metade, eis que, antes dele, eram aparelhados, em média, mais de 100 mil processos por ano. A racionalização e intensificação do emprego da repercussão geral será prestigiada não apenas porque reduzirá substancialmente o trabalho dos integrantes do Tribunal. Ela merecerá especial destaque sobretudo porque a solução de um recurso extraordinário qualquer, qualificado com esse rótulo, permitirá que sejam decididas centenas ou até milhares de ações sobrestadas nos tribunais de origem. 


Atualmente, tramitam na Corte 333 recursos extraordinários com
repercussão geral reconhecida e apreciação de mérito pendente, os quais mantêm em suspenso, nas instâncias inferiores, enquanto não forem julgados, cerca de 700 mil processos.

Pretendemos, ademais, facilitar e ampliar a edição de súmulas vinculantes, que fornecem diretrizes seguras e permanentes aos operadores do direito sobre pontos controvertidos da interpretação constitucional, por meio de enunciados sintéticos e objetivos. Nessa linha, buscaremos transformar as súmulas tradicionais já editadas em verbetes vinculantes, sempre que tecnicamente viável, de modo a ampliar a celeridade da prestação jurisdicional em todas as instâncias.

Procuraremos, igualmente, estimular formas alternativas de solução de conflitos, compartilhando, na medida do possível, com a própria sociedade, a responsabilidade pela recomposição da ordem jurídica rompida, que, afinal, é de todos os seus integrantes. Referimo-nos à intensificação do uso da conciliação, da mediação e da arbitragem, procedimentos que se mostram particularmente apropriados para a resolução de litígios que envolvam direitos disponíveis, empregáveis, com vantagem, no âmbito extrajudicial.

Pensamos também na denominada “justiça restaurativa”, que já vem sendo praticada, com êxito, no âmbito criminal, onde a atenção do Estado e da sociedade não se dirige, mais, exclusivamente, à punição do infrator, mas lança um olhar especial à mitigação das lesões físicas, morais, psicológicas e materiais sofridas pelas vítimas.

Esse instituto poderá ser empregado, com igual sucesso, em outras áreas do Direito, em especial nos conflitos familiares.

Do ponto de vista normativo, enviaremos, na próxima Legislatura, ao Congresso Nacional, depois da aprovação pelos nossos pares, o novo Estatuto da Magistratura, assim como projetos de lei que possam superar topicamente certos entraves na prestação jurisdicional, sem prejuízo da impostergável tarefa de atualizar e consolidar o regimento interno da Casa.

Propomo-nos, ademais, a respeitar e fazer respeitar a independência e harmonia entre os Poderes, estimulando nos juízes a adoção da salutar atitude de
self restraint, de autocontenção, praticada pelas cortes constitucionais dos países democráticos. Com isso queremos dizer que o Judiciário só deve atuar, para suprir eventual lacuna normativa ou inércia administrativa, em caráter excepcional e provisório, e apenas quando a decisão pretoriana se mostrar necessária e inadiável, permitindo, como regra, que o Legislativo ou o Executivo – representantes diretos da soberania popular – possam concluir as suas deliberações no tempo que considerem politicamente mais adequado para o País.

Pretendemos, ainda, entreter um permanente diálogo com as instituições essenciais à administração da Justiça, a exemplo do Ministério Público e da Advocacia, cujos objetivos convergem integralmente conosco no tocante ao aperfeiçoamento da jurisdição. Desejamos, igualmente, ampliar a colaboração de especialistas e membros da comunidade no controle de constitucionalidade, incentivando a atuação dos
amici curiae e a realização de audiências públicas, de forma consentânea com a Democracia Participativa instaurada pela nova Carta Magna.

Entendemos, por outro lado, que o Judiciário deve assumir um protagonismo maior na área externa, empregando, com mais habitualidade, os institutos do direito comunitário e do direito internacional, à semelhança do que ocorre no Velho Continente, onde os juízes foram e continuam sendo os grandes responsáveis pela integração europeia, sobretudo ao garantirem a igualdade de direitos aos seus cidadãos.

É preciso, também, que os nossos magistrados tenham uma interlocução maior com os organismos internacionais, como a ONU e a OEA, por exemplo, especialmente com os tribunais supranacionais quanto à aplicação dos tratados de proteção dos direitos fundamentais, inclusive com a observância da jurisprudência dessas cortes.

Pretendemos, mais, redirecionar a atuação do Conselho Nacional de Justiça, resgatando a sua concepção original de órgão central de planejamento estratégico, fazendo com que passe a atuar a partir de uma visão sistêmica dos problemas que afetam o Judiciário, sem prejuízo de sua competência correicional supletiva. Isso demandará a implantação de um modelo eficiente de informação e comunicação, que não poderá prescindir de uma permanente interlocução com os juízes de todos os graus de jurisdição e com os distintos tribunais do País.

Por fim, deveremos restaurar a autoestima dos honrados magistrados e operosos servidores do Poder Judiciário, cuja importância, no tocante à relevante tarefa de pacificação social, que realizam diuturna e anonimamente, não tem sido adequadamente reconhecida pela sociedade e autoridades em geral. Haveremos de fazê-lo mediante a correta divulgação dos serviços essenciais que prestam ao Brasil, não raro com risco para a própria vida e integridade física.

Particular atenção será dada à recuperação de suas perdas salariais, de modo a garantir-lhes uma remuneração condigna com o significativo múnus público que exercem, bem como assegurar-lhes adequadas condições materiais de trabalho, além de proporcionar-lhes a oportunidade de permanente aperfeiçoamento profissional mediante cursos e estágios aqui e no exterior. 

Permitimo-nos concluir com uma frase de Martin Luther King pronunciada em 1963, no Lincoln Memorial, em Washington: I have a dream; “Eu tenho um sonho”.

Era um sonho de igualdade e de fraternidade para todos os americanos indistintamente.

Nós também temos um sonho: o sonho de ver um Judiciário forte, unido e prestigiado, que possa ocupar o lugar que merece no cenário social e político deste País.

Um Judiciário que esteja à altura de seus valorosos integrantes, e que possa colaborar efetivamente na construção de uma sociedade mais livre, mais justa e mais solidária, como determina a Constituição da República, a qual todos os magistrados brasileiros, de forma uníssona, juraram respeitar e defender. 

Ricardo Lewandowski
Presidente do Supremo Tribunal Federal

Brasília, 10 de setembro de 2014

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