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quarta-feira, 19 de março de 2014

Lucélia Santos, a "Escrava Isaura": cultura e civilidade


TRISTES TRÓPICOS



Em Londres e outras tantas cidades do Primeiro Mundo, encontrar artistas, políticos, pessoas de elevado nível sócio-econômico no transporte público é muitíssimo comum. Exemplo de civilidade.

No Brasil, qualquer "jeca", deslumbrado com sua suposta "ascensão social", muitas vezes usa carro para alimentar seus "delírios de grandeza" e exibir pretensa superioridade sobre os demais.

Reles e dolorosa ignorância.



Lucélia Santos: cultura e civilidade


A foto de Lucélia Santos no ônibus e a ojeriza patética ao transporte público no Brasil


Kiko Nogueira*


Lucélia Santos no bumba

“O Brasil é o único país que conheço em que andar de ônibus é politicamente incorreto! Vai entender…”. 


Lucélia Santos merecia uma estátua. A atriz foi fotografada num coletivo no Rio de Janeiro. O fã postou a foto numa rede social. Ela começou a circular loucamente, junto com especulações acerca da carreira da atriz.

Lucélia estaria pobre, desempregada, passando fome, drogada, bebendo demais, morando de favor, enfim, numa draga — só isso explica uma pessoa famosa, ou ex-famosa, pegar um ônibus, que é claramente coisa de pobre.


Ela respondeu à falsa polêmica com uma série de frases em sua conta no Twitter:


. “Isso porque os ônibus aqui e transportes coletivos, de um modo geral, são precários e ordinários, o que mostra total desrespeito à população!


. “Em qualquer país civilizado, educado e organizado, é o contrário. As pessoas dão prioridade a transportes coletivos para proteger o meio ambiente”.

. “Os governos deveriam investir em transportes decentes para a população, com conforto e dignidade, e depois pretender fazer discursos”.

. “A imprensa deveria usar sua inteligência para divulgar campanhas para os transportes públicos coletivos de primeira grandeza”.

. “Terminando: o Brasil deveria ler mais, se instruir mais, desejar mais e sair da burrice de consumo idiota e descartável que lhe dá carros!”


Não disse uma bobagem. Uma. A reação à imagem de Lucélia veio, principalmente, dos milhares de jecas que se locupletam no transporte público quando viajam para o exterior e, de volta ao Brasil, não compram cigarro na padaria sem pegar o carro.


É um vício. Semana passada, num programa da rádio Bandeirantes, de manhã, a dupla de apresentadores comentava sobre algum assunto quando a jornalista fez um aparte. Obsequiosa, como se estivesse pedindo desculpas por um crime, ela contou que pegou um metrô, em São Paulo, e foi ótimo. Soava como uma confissão seguida de um arrependimento. Ora, o metrô de São Paulo, apesar da extensão de rede exígua, é bom. Limpo, rápido, eficiente. Os ônibus funcionam razoavelmente bem.

Por que a surpresa com Lucélia? Porque o transporte público está relegado a um papel secundário e é estigmatizado. A primeira providência que uma pessoa que deixou de ser pé-rapado toma é comprar um carro e cuspir em quem anda de buzum. Quem já pegou metrô em Nova York, Londres, Paris etc. deve ter visto atores, atrizes, políticos no vagão.

Os premiês britânicos Tony Blair e David Cameron foram fotografados inúmeras vezes sentados, numa boa, lendo seu jornal. O ex-prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, também. Lembrando que Bloomberg é milionário.


Você vai falar que é demagogia. Provavelmente eles preferissem, mesmo, se locomover num Jaguar com motorista de luvas pretas. Mas e daí? Estão dando um exemplo, um recado fundamental, para a população. No Brasil, qual foi o último prefeito de cidade grande que utilizou transporte público para ir ao trabalho? E governador? Nenhum. O sujeito se elege e, junto com o pacote de benesses, vem a vantagem de nunca mais ter de olhar na cara de um cobrador pelo resto da vida.

[Aqui, um reparo da editoria do ABC!: Fernando Haddad, prefeito de São Paulo, que mora na Vila Mariana, meses atrás, passou a ir trabalhar de ônibus, no prédio da Prefeitura, Viaduto do Chá, centro da cidade. Mas com o estouro da "Máfia dos Fiscais" pela Controladoria Geral do Município, o prefeito passou a sofrer ameaças de morte e teve que abandonar o uso de transporte público, ainda por cima reforçando sua segurança...]

Lucélia Santos deu uma amostra de civilidade. Escrava Isaura para presidente!



Bergoglio, papa Francisco, quando cardeal, 
no metrô de Buenos Aires 


David Bowie no metrô japonês 

Sergey Brin, um dos fundadores do Google 

David Cameron, Primeiro Ministro britânico 

* Diretor-adjunto do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas. 

Mais fotos na matéria completa, no Diário do Centro do Mundo.


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