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segunda-feira, 31 de março de 2014

Golpe de 64: Memórias de um Guerrilheiro - 2


50 ANOS DO GOLPE MILITAR NO BRASIL






Lembranças de quem esteve na luta armada, foi torturado, conseguiu escapar com vida e vive com muitas sequelas, mas ainda mantém seus mais altos ideais: o amigo, revolucionário, escritor, jornalista e blogueiro Celso Lungaretti, do blog Náufrago da Utopia. 

Clique aqui para ler o "Memórias 1".




O cotidiano de um resistente


A propaganda enganosa martelada incessantemente pelas viúvas da ditadura bate muito na tecla de que os militantes da luta armada teriam utilizado o dinheiro expropriado dos bancos para viver como burgueses, entre luxos e orgias. Nada mais falso.

Eu militei na Vanguarda Popular Revolucionária entre abril/1969 e abril/1970, quando fui preso pelo DOI-Codi/RJ, sofri torturas que me deixaram à beira de um enfarte aos 19 anos de idade e me causaram uma lesão permanente.

Nesse ano em que me beneficiei do produto dos assaltos praticados pelas organizações de resistência à tirania implantada pelos usurpadores do poder, como foi minha vida de nababo?

Na verdade, recebia o estritamente necessário para subsistir e manter a minha fachada de vendedor autônomo.

No início, fui obrigado a me abrigar em locais precaríssimos, como o porão de um cortiço na rua Tupi, próximo da atual estação do metrô Marechal Deodoro, na capital paulistana. Era só o que eu conseguia pagar com o produto dos assaltos.

Cada quarto era um cubículo mal ventilado. Enxames de pernilongos me atacavam durante o sono. Afastava-os com espirais que mantinha acesos durante a noite inteira... e me faziam sufocar.

O que mudou quando meus companheiros fizeram o maior assalto da esquerda brasileira em todos os tempos, apossando-se dos dólares da corrupção política guardados no cofre da ex-amante do governador Adhemar de Barros? Quase nada.

Era dinheiro para a revolução, não para gastos pessoais. Apesar de integrar o comando estadual de São Paulo e depois exercer papel semelhante no Rio de Janeiro, continuei levando existência das mais austeras.


Meu último abrigo foi o quarto alugado no amplo apartamento de uma velha senhora do Rio Comprido (RJ). Fazia tanto calor que eu era obrigado a dormir despido sobre o chão de ladrilhos, que amanhecia ensopado de suor.

Quando tinha de abandonar às pressas um desses abrigos, todos os meus bens cabiam numa mala de médio porte. Vinham-me à lembrança os versos de Brecht, "íamos pela luta de classes, desesperados/ trocando mais de países que de sapatos".

Havia, sim, um dinheiro extra, que equivaleria a uns R$ 10 mil atuais. Mas, tratava-se do fundo a que recorreríamos caso ficássemos descontatados e tivéssemos de sobreviver ou deixar o País por nossos próprios meios, sem ajuda dos companheiros que já estariam presos ou mortos.

Nenhum de nós gastava essa grana, era ponto de honra. Os fundos de reserva acabaram chegando, intactos, às garras dos rapinantes que nos prendiam e matavam. Nunca prestaram conta disso, nem dos carros, das armas e até das peças de vestuário que nos tomaram.

E, mesmo que tivéssemos dinheiro para esbanjar, como o gastaríamos? Éramos procurados no país inteiro, com nossos nomes e fotos expostos em cartazes falaciosos.

Eu, que nunca fizera mal a uma mosca, aparecia nesses pôsteres como “terrorista assassino, foragido depois de roubar e assassinar vários pais de família”. O Estado usava o dinheiro do contribuinte para me fazer acusações falsas e difamatórias!


Para manter as aparências, éramos obrigados a sair cedo e voltar no fim do dia. Os contatos com companheiros eram restritos ao tempo estritamente necessário para discutirmos os encaminhamentos em pauta; dificilmente chegavam a uma hora.

Sobravam longos intervalos, com nada para fazermos e a obrigação de ficarmos longe de situações perigosas. Tínhamos de procurar locais discretos, tentando passar despercebidos... por horas a fio. Sujeitos a, em qualquer momento, sermos surpreendidos por uma batida policial.

Vida amorosa? Dificílima. Cada momento que passássemos com uma companheira era um momento em que a estaríamos colocando em perigo. Ninguém corria o risco de ir transar em hotéis, sempre visados (e nossa documentação era das mais precárias, passei uns oito meses carregando apenas um título eleitoral falsificado). E as facilidades atuais, como motéis, quase inexistiam.

Aos 18/19 anos, senti imensa atração por duas aliadas, uma em São Paulo e outra, meses mais tarde, no Rio de Janeiro. Com ambas, o sentimento era recíproco. E nos dois casos mal passamos dos beijos apaixonados com que nos cumprimentávamos e despedíamos. Qualquer coisa além disso seria perigosa demais.

Enfim, esta é a vida que levávamos, acordando a cada manhã sem sabermos se estaríamos vivos à noite, passando por frequentes sustos e perigos, recebendo amiúde a notícia da perda de companheiros queridos (eu até relutava em abrir os jornais, tantas eram as vezes que só me traziam amargura).

Sobreviver alguns meses já era digno de admiração. Ao completar um ano nessa vida, eu já me considerava (e era considerado pelos companheiros) um veterano. Caí logo em seguida.

Dos tolos que saem repetindo essas ignomínias trombeteadas dia e noite pela propaganda enganosa da direita, nem um milésimo seria capaz de encarar a barra que encaramos, não pelas motivações ridículas que nos atribuem, mas por não aguentarmos viver, e ver nosso povo vivendo, debaixo das botas dos tiranos!


*

1964, Dilma Rousseff e a Brava Gente Brasileira


50 ANOS DEPOIS...



Homenagem do blog Abra a Boca, Cidadão! a todos os assassinados, torturados, perseguidos e desaparecidos, e aos que lutaram de alguma forma para a derrubada da feroz ditadura militar, pondo fim a uma longa, escura, violenta e tenebrosa noite, que durou 21 anos. 




Da guerrilha urbana à Presidência da República



  Foto do DOI-CODI, Polícia Política


Interrogatório no quartel


                                                                                      Foto oficial 
                                                                        Presidência da República


O mundo dá muitas voltas. Nada como um dia depois do outro...


              Ex-guerrilheira: Comandante Suprema das Forças Armadas


Brava Gente Brasileira


Nunca mais: 362 mortos e desaparecidos políticos da Ditadura de 64*

Abelardo Rausch de Alcântara, Abílio Clemente Filho, Aderval Alves Coqueiro, Adriano Fonseca Filho, Alberto Aleixo, Alceri Maria Gomes da Silva, Aldo de Sá Brito Souza Neto, Alex de Paula Xavier Pereira, Alexander José Voeroes Ibsen, Alexandre Vannucchi Leme, Alfeu de Alcântara Monteiro, Almir Custódio de Lima, Aluizio Palhano Pedreira Ferreira, Alvino Ferreira Felipe, Amaro Felix Pereira, Amaro Luiz de Carvalho, Ana Maria Nacinovic Corrêa, Ana Rosa Kucinski Silva, Anatália de Souza Melo Alves, Andre Grabois, Ângelo Arroyo, Ângelo Cardoso da Silva, Antogildo Pascoal Viana, Antônio Alfredo de Lima (consta do anexo da lei como Antônio Alfredo de Campos), Antônio Araújo Veloso, Antônio Bem Cardoso, Antônio Benetazzo, Antônio Carlos Bicalho Lana, Antônio Carlos Monteiro Teixeira, Antônio Carlos Nogueira Cabral, Antônio de Padua Costa, Antônio dos Três Reis de Oliveira, Antônio Ferreira Pinto, Antônio Guilherme Ribeiro Ribas, Antônio Henrique Pereira Neto (padre), Antônio Joaquim de Souza Machado, Antônio José dos Reis, Antônio Marcos Pinto de Oliveira, Antônio Raymundo de Lucena, Antônio Sérgio de Mattos, Antônio Teodoro de Castro, Arildo Airton Valadão, Armando Teixeira Fructuoso, Arnaldo Cardoso Rocha, Arno Preis, Ary Abreu Lima da Rosa, Augusto Soares da Cunha, Áurea Eliza Pereira, Aurora Maria Nascimento Furtado, Avelmar Moreira de Barros, Aylton Adalberto Mortati, Benedito Gonçalves, Benedito Pereira Serra, Bergson Gurjão Farias, Boanerges de Souza Massa, Caiupy Alves de Castro, Carlos Alberto Soares de Freitas, Carlos Antunes da Silva, Carlos Eduardo Pires Fleury, Carlos Lamarca, Carlos Marighella, Carlos Nicolau Danielli, Carlos Roberto Zanirato, Carlos Schirmer, Cassimiro Luiz de Freitas, Catarina Helena Abi-Eçab, Célio Augusto Guedes, Celso Gilberto de Oliveira, Chael Charles Schreier, Cilon Cunha Brum, Ciro Flávio Salazar de Oliveira, Cloves Dias Amorim, Custódio Saraiva Neto, Daniel José de Carvalho, Daniel Ribeiro Callado, Darcy José dos Santos Mariante, David Capistrano da Costa, David de Souza Meira, Denis Casemiro, Dermeval da Silva Pereira, Devanir José de Carvalho, Dilermano Melo do Nascimento, Dimas Antônio Casemiro, Dinaelza Santana Coqueiro, Dinalva Oliveira Teixeira, Divino Ferreira de Souza, Divo Fernandes D’ Oliveira, Dorival Ferreira, Durvalino Porfirio de Souza, Edgar de Aquino Duarte, Edmur Péricles Camargo, Edson Luiz Lima Souto, Edson Neves Quaresma, Edu Barreto Leite, Eduardo Antônio da Fonseca, Eduardo Collier Filho, Eduardo Leite, Eiraldo de Palha Freire, Elmo Correa, Elson Costa, Elvaristo Alves da Silva, Emmanuel Bezerra dos Santos, Enrique Ernesto Ruggia, Epaminondas Gomes de Oliveira, Eremias Delizoicov, Esmeraldina Carvalho Cunha, Eudaldo Gomes da Silva, Evaldo Luiz Ferreira de Souza, Ezequias Bezerra da Rocha, Felix Escobar, Fernando Augusto da Fonseca, Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, Fernando da Silva Lembo, Flavio Carvalho Molina, Flávio Ferreira da Silva, Francisco das Chagas Pereira, Francisco Emmanuel Penteado, Francisco José de Oliveira, Francisco Manoel Chaves, Francisco Seiko Okama, Francisco Tenório Cerqueira Júnior, Frederico Eduardo Mayr, Gastone Lúcia de Carvalho Beltrão, Gelson Reicher, Geraldo Bernardo da Silva, Geraldo da Rocha Gualberto, Gerson Theodoro de Oliveira, Getulio de Oliveira Cabral, Gilberto Olímpio Maria, Gildo Macedo Lacerda , Grenaldo de Jesus da Silva, Guilherme Gomes Lund, Gustavo Buarque Schiller, Hamilton Fernando Cunha, Hamilton Pereira Damasceno, Helber José Gomes Goulart, Hélcio Pereira Fortes, Helenira Resende de Souza Nazareth, Heleny Ferreira Telles Guariba, Helio Luiz Navarro de Magalhães, Henrique Cintra Ferreira de Ornellas, Higino João Pio, Hiran de Lima Pereira, Hirohaki Torigoe, Honestino Monteiro Guimarães, Horacio Domingo Campiglia, Iara Iavelberg, Idalisio Soares Aranha Filho, Ieda Santos Delgado, Inocêncio Pereira Alves, Isis Dias de Oliveira, Ismael Silva de Jesus, Israel Tavares Roque, Issami Nakamura Okano, Itair José Veloso, Iuri Xavier Pereira, Ivan Mota Dias, Ivan Rocha Aguiar, Jaime Petit da Silva, Jana Moroni Barroso, Jarbas Pereira Marques , Jayme Amorim de Miranda, Jeová Assis Gomes, João Alfredo Dias, João Antônio Santos Abi-Eçab, João Batista Franco Drumond, João Batista Rita, João Bosco Penido Burnier, João Carlos Cavalcanti Reis, João Carlos Haas Sobrinho, João Domingues da Silva, João Gualberto Calatrone, João Leonardo da Silva Rocha, João Lucas Alves, João Massena Melo, João Roberto Borges de Souza, Joaquim Alencar de Seixas, Joaquim Câmara Ferreira, Joaquim Pires Cerveira, Joel José de Carvalho, Joel Vasconcelos Santos, Joelson Crispim, Jonas José de Albuquerque Barros, Jorge Aprígio de Paula, Jorge Leal Gonçalves Pereira, Jorge Oscar Adur, José Bartolomeu Rodrigues de Souza, José Campos Barreto, José Carlos Novaes da Mata Machado, José Dalmo Guimarães Lins, José de Lima Piauhy Dourado, José de Souza, José Gomes Teixeira, José Guimarães, José Huberto Bronca, José Idésio Brianezi, José Inocêncio Barreto, José Isabel do Nascimento, José Júlio de Araújo, José Lavecchia, José Manoel da Silva, José Maria Ferreira de Araújo, José Maurilio Patricio, José Maximino de Andrade Netto, José Mendes de Sá Roriz, José Milton Barbosa, José Montenegro de Lima, José Porfirio de Souza, José Raimundo da Costa, José Roberto Arantes de Almeida, José Roberto Spiegner, José Roman, José Silton Pinheiro, José Toledo de Oliveira, José Wilson Lessa Sabbag, Juan Antônio Carrasco Forrastal, Juarez Guimarães Brito, Kleber Lemos da Silva, Labibe Elias Abduch, Lauriberto José Reyes, Leopoldo Chiapetti, Líbero Giancarlo Castiglia, Lígia Maria Salgado Nóbrega, Lincoln Bicalho Roque, Lincoln Cordeiro Oest, Lorenzo Ismael Viñas, Lourdes Maria Wanderley Pontes, Lourenço Camelo de Mesquita, Lourival Moura Paulino, Lúcia Maria de Souza, Lucimar Brandão Guimarães, Lucindo Costa, Lúcio Petit da Silva, Luiz Almeida Araújo, Luiz Antônio Santa Barbara, Luiz Carlos Augusto, Luiz Eduardo da Rocha Merlino, Luiz 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Miguel Pereira dos Santos, Miguel Sabat Nuet, Milton Soares de Castro, Monica Suzana Pinus Binstock, Nativo Natividade de Oliveira, Neide Alves dos Santos, Nelson José de Almeida, Nelson Lima Piauhy Dourado, Nestor Vera, Newton Eduardo de Oliveira, Nilda Carvalho Cunha, Norberto Armando Habegger, Norberto Nehring, Odijas Carvalho de Souza, Olavo Hansen, Onofre Pinto, Orlando da Silva Rosa Bomfim Junior, Orlando Momente, Ornalino Cândido da Silva, Orocilio Martins Gonçalves, Osvaldo Orlando da Costa, Otávio Soares da Cunha, Otoniel Campos Barreto, Pauline Philipe Reichstul, Paulo César Botelho Massa, Paulo Costa Ribeiro Bastos, Paulo de Tarso Celestino da Silva, Paulo Guerra Tavares, Paulo Mendes Rodrigues, Paulo Roberto Pereira Marques, Paulo Stuart Wright, Paulo Torres Gonçalves, Pedro Alexandrino de Oliveira Filho, Pedro Domiense de Oliveira, Pedro Inácio de Araújo, Pedro Jerônimo de Souza, Pedro Ventura Felipe de Araújo Pomar, Péricles Gusmão Régis, Raimundo Eduardo da Silva, Raimundo Gonçalves de Figueiredo, Raimundo Nonato Paz, Ramires Maranhão do Valle, Ranúsia Alves Rodrigues, Raul Amaro Nin Ferreira, Reinaldo Silveira Pimenta, Roberto Cietto, Roberto Macarini, Rodolfo de Carvalho Troiano, Ronaldo Mouth Queiroz, Rosalindo de Sousa, Rubens Beirodt Paiva, Rui Osvaldo Aguiar Pfutzenreuter, Ruy Carlos Vieira Berbert, Ruy Frasão Soares, Santo Dias da Silva, Sebastião Tomé da Silva, Sergio Landulfo Furtado, Severino Elias de Mello, Severino Viana Callôr, Solange Lourenço Gomes, Soledad Barret Viedma, Sônia Maria de Moraes Angel Jones, Stuart Edgar Angel Jones, Suely Yumiko Kanayama, Telma Regina Cordeiro Corrêa, Therezinha Viana de Assis, Thomaz Antônio da Silva Meirelles Netto, Tito de Alencar Lima, Tobias Pereira Júnior, Uirassu Assis Batista, Umberto de Albuquerque Câmara Neto, Valdir Salles Saboia, Vandick Reidner Pereira Coqueiro, Virgilio Gomes da Silva, Vitor Carlos Ramos, Vitorino Alves Moitinho, Vladimir Herzog, Walkiria Afonso Costa, Walter de Souza Ribeiro, Walter Ribeiro Novaes, Wilson Silva, Yoshitane Fujimori, Zelmo Bosc, Zuleika Angel Jones.


* Listagem: Blog do Noblat


Ditadura Nunca Mais !!!

VIVA O POVO BRASILEIRO !!!

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Dilma sobre o Golpe de 64: "Quem dá voz à história é cada um de nós"


50 ANOS DO GOLPE MILITAR NO BRASIL



A Presidenta Dilma Rousseff, ex-guerrilheira, presa e barbaramente torturada sob a ditadura militar, visivelmente emocionada, falou em Brasília do dia de hoje, 31 de março, 50 anos depois do Golpe de Estado que assassinou centenas de pessoas e vitimou a democracia brasileira.







"O dia de hoje exige que nos lembremos e contemos o que aconteceu", afirma Dilma

A presidenta Dilma Rousseff afirmou nesta segunda-feira (31), ao referir-se ao golpe militar de 1964, que o dia de hoje exige que nos lembremos e contemos o que aconteceu. Dilma lembrou que 50 anos atrás o Brasil deixou de ser um país de instituições ativas, independentes e democráticas e que por 21 anos nossa liberdade e nossos sonhos foram calados, mas que graças ao esforço de todas as lideranças do passado, dos que vivem e dos que morreram, foi possível ultrapassar os 21 anos de ditadura.

“O dia de hoje exige que lembremos e contemos o que aconteceu. Devemos isso a todos que morreram e desapareceram, aos torturados e perseguidos, a suas famílias, a todos os brasileiros. Lembrar e contar faz parte de um processo muito humano, desse processo que iniciamos com as lutas do povo brasileiro, pela anistia, Constituinte, eleições diretas, crescimento com inclusão social, Comissão Nacional da Verdade, todos os processos de manifestação e democracia que temos vivido ao longo das últimas décadas. Um processo que foi construído passo a passo, durante cada um dos governos eleitos depois da ditadura”.

Dilma afirmou que o Brasil aprendeu o valor da liberdade, de Legislativo e Judiciário independentes e ativos, da liberdade de imprensa, do voto secreto, de eleger governadores, prefeitos, um exilado, um líder sindical, que foi preso várias vezes, e uma mulher que também foi prisioneira.

“A grande Hanna Arendt escreveu um dia que toda dor humana pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história. A dor que nós sofremos, as cicatrizes visíveis e invisíveis que ficaram nesses anos, elas podem ser suportadas e superadas porque hoje temos uma democracia sólida e podemos contar nossa história. Como eu disse, nesse Palácio, repito, há quase dois anos atrás, quando instalamos a Comissão da Verdade, eu disse: se existem filhos sem pais, se existem pais sem túmulos, se existem túmulos sem corpos, nunca, nunca, mas nunca mesmo, pode existir uma história sem voz. E quem dá voz à história são os homens e as mulheres livres que não têm medo de escrevê-la. E acrescento: quem dá voz à história somos cada um de nós”.


Veja o vídeo com o discurso completo:





Blog do Planalto

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Marcha "Murcha" da Família com Deus pela Liberdade


50 ANOS DO GOLPE MILITAR NO BRASIL



De novo! As famílias não compareceram e Deus mandou dizer que tinha mais o que fazer...

50 "gatos pingados" marcharam ontem pela mais paulista das avenidas. Deram seu showzinho de ignorância, atrapalharam o trânsito, tiraram alguns policiais militares do descanso dominical e depois foram pra casa, assistir o Fantástico... 

Missão cumprida. A Pátria Amada, Idolatrada, Salve! Salve!, agradece.

Queridos: Deus é Amor. Deus é Justiça. Deus é Liberdade. Deus é Democracia. 

Nada a ver com ditadura, arbítrio, truculência, tortura, mordaça, calabouço, pau-de-arara, atrocidades, monstruosidades.

Por favor! Vão ler, estudar, se informar!

Cidadania, sim. Liberdade de Expressão, sim. Ignorância, não!

Deixem Deus fora de seus delírios de grandeza e de seus obtusos e tardios arroubos patrioteiros!






domingo, 30 de março de 2014

Golpe de 64: Ativista foi "cobaia" em aula de tortura


50 ANOS DO GOLPE MILITAR NO BRASIL





“Fui cobaia numa aula de tortura”: nos 50 anos do golpe, o depoimento da historiadora Dulce Pandolfi


Diário do Centro do Mundo




Dulce

A historiadora Dulce Pandolfi deu, no ano passado, um depoimento estarrecedor à Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro sobre as torturas que sofreu na ditadura. Dulce, que era da Aliança Libertadora Nacional, ALN, tinha 21 anos quando foi presa em 1970. Durante três meses no DOI CODI, sofreu todo tipo de sevícias. Nos 50 anos do golpe, o DCM reproduz trechos de seu relato (a íntegra está aqui):


Por acreditar que no Brasil de hoje a busca pelo “direito à verdade e à memória” é condição essencial para nos libertarmos de um passado que não podemos esquecer, aceitei o convite da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro para fazer hoje, aqui, esse depoimento.

Mesmo sem nenhum mandato, quero falar em nome dos presos, torturados, assassinados e desaparecidos pela ditadura militar que vigorou em nosso país entre 1964 e 1985.

Como historiadora, sei que a memória não diz respeito apenas ao passado. Ela é presente e é futuro. Os testemunhos que estão sendo dados à Comissão da Verdade, embora sobre o passado, dizem respeito ao presente e apontam para o futuro, por isto mesmo espero que ajudem a construir um Brasil mais justo e solidário.

Sei também que da memória – sempre seletiva – , fazem parte o silêncio e o esquecimento. Por isso, nessas minhas fortes lembranças, permeadas por ruídos, odores, cores e dores, estarão presentes ausências e esquecimentos.

Na noite do dia 20 de agosto de 1970, no momento em que entrei no quartel da Polícia do Exército situado na Rua Barão de Mesquita, número 425, no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, ouvi uma frase que até hoje ecoa forte em meus ouvidos: “Aqui não existe Deus, nem Pátria, nem Família. Só existimos nós e você”.


Hoje, passados mais de 40 anos, penso no efeito que aquela frase produziu em mim. Com vinte e um anos de idade, cheia de certezas e transbordando de paixões, eu não queria morrer.

Embora totalmente acuada e literalmente apavorada, aquela frase não deixava a menor dúvida sobre algo que eu já sabia, mas que naquele momento ganhou força e concretude. Não havia comunicação ou negociação possível entre aqueles dois mundos: o meu e o deles.

(…)

Normalmente, os torturadores, embora quase todos militares, andavam à paisana. Os fardados cobriam com um esparadrapo o nome gravado em um dos bolsos do uniforme. Cabia aos cabos e soldados cuidar da infraestrutura.

Eram eles que fechavam e abriam as celas, nos levavam para os interrogatórios, ou melhor, para as sessões de tortura, faziam a ronda noturna, levavam as nossas refeições.

Ali não havia banho de sol, visita familiar, conversa com advogado. Nenhum contato com o mundo lá fora. Naquela fase, éramos presos clandestinos. Só saíamos das celas para os interrogatórios, de olhos vendados, sempre com um capuz preto na cabeça.

(…)

Durante os mais de três meses que fiquei no DOI CODI, fui submetida, em diversos momentos, a diversos tipos de tortura. Algumas mais simples, como socos e pontapés. Outras mais grotescas, como ter um jacaré andando sobre meu corpo nu.

Recebi muito choque elétrico e fiquei muito tempo pendurada no chamado “pau de arara”: os pés e os pulsos amarrados em uma barra de ferro e a barra de ferro colocada no alto, numa espécie de cavalete.

Um dos requintes era nos pendurar no pau de arara, jogar água gelada e ficar dando choque elétrico nas diversas partes do corpo molhado. O contato da água com o ferro potencializava a descarga elétrica.


Embora essa tenha sido a tortura mais frequente havia uma alternância de técnicas. Uma delas, por exemplo, era o que eles chamavam de “afogamento”.

Amarrada numa cadeira, de olhos vendados, tentavam me sufocar com um pano ou algodão embebido em algo de cheiro muito forte, que parecia ser amônia.

(…)

No dia 20 de outubro, dois meses depois da minha prisão e já dividindo a cela com outras presas, servi de cobaia para uma aula de tortura.

O professor, diante dos seus alunos, fazia demonstrações com o meu corpo. Era uma espécie de aula prática, com algumas dicas teóricas. Enquanto eu levava choques elétricos, pendurada no tal do pau de arara, ouvi o professor dizer: “essa é a técnica mais eficaz”. Acho que o professor tinha razão.

Como comecei a passar mal, a aula foi interrompida e fui levada para a cela. Alguns minutos depois, vários oficiais entraram na cela e pediram para o médico medir minha pressão.

As meninas gritavam, imploravam, tentando, em vão, impedir que a aula continuasse. A resposta do médico Amilcar Lobo, diante dos torturadores e de todas nós, foi: “ela ainda aguenta”. E, de fato, a aula continuou.


(…)

Eu acuso todos os torturadores, civis e militares, inclusive aqueles que diziam e continuam dizendo que estavam apenas cumprindo ordens dos seus superiores.

Eu acuso os altos oficiais e comandantes do Exército Brasileiro que, em visitas oficiais ao DOI CODI, entravam nas nossas celas e faziam gracejos com as nossas torturas. Em uma dessas visitas, um desses oficiais mandou que seu acompanhante, um cão pastor, lambesse minhas feridas.

Eu acuso quem, durante a minha primeira sessão de tortura, me deu uma injeção na veia, dizendo ser o tal “soro da verdade”.

Eu acuso o major da Polícia Militar Riscala Corbaje, conhecido como doutor Nagib, que ao perceber que o tal soro da verdade não havia produzido o efeito esperado, me levou para uma pequena sala, me deitou no chão, subiu nas minhas costas, começou a pisotear e a me bater com um cassetete, dizendo, aos gritos, que ia me socar até a morte. Seu descontrole foi tamanho e seus gritos tão estridentes que os outros torturadores entraram na sala e o arrancaram de cima de mim.

Eu acuso o cabo Gil, um dos responsáveis pela infraestrutura do quartel da PE. Seu sadismo era sem fim. Lembro até hoje do barulho forte das chaves quando ele abria a porta da nossa cela com o capuz na mão. Propositalmente, ele demorava um tempo e, como se estivesse fazendo um sorteio, dizia: “acho que agora é sua vez”. Descer as escadas de olhos vendados, guiadas por ele, era um horror. Sempre inventava mais um degrau ou colocava o pé para que nós tropeçássemos.

(…)

Eu acuso os ex-presidentes da República Humberto Castelo Branco, Costa e Silva, Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Batista Figueiredo. A despeito das divergências entre eles e das diferentes conjunturas em que chefiaram o país, todos, sem exceção, foram responsáveis e coniventes com a tortura.

Eu acuso, finalmente, o regime ditatorial implantado no Brasil em 1964, que fez da tortura uma política de Estado.



Diário do Centro do Mundo

Destaques do ABC!


Golpe de 64: Mulheres na Luta Armada


50 ANOS DO GOLPE MILITAR NO BRASIL



Em 9 de março de 2011, o Abra a Boca, Cidadão! publicou o post abaixo.

Reproduzo-o novamente, com atualização apenas gráfica, visual, em homenagem a todas as mulheres que pereceram vítimas das atrocidades e para que nunca mais esqueçamos desta barbárie.

Ditadura Nunca Mais !!!





Mulher, brasileira e guerrilheira

Vanessa Gonçalves

"Nossa geração teve pouco tempo
começou pelo fim
mas foi bela nossa procura
Ah! moça, como foi bela a nossa procura
mesmo com tanta ilusão perdida
quebrada,
mesmo com tanto caco de sonho
onde até hoje
a gente se corta"
 
(Idílica Estudantil - Alex Polari de Alverga)


Caixa de texto:

A violência institucional, que derrubou o estado de direito, surgiu poderosa o suficiente para mostrar suas garras antes mesmo que as primeiras ações armadas viessem à luz.

Após o imobilismo durante o golpe, a esquerda reagiu e decidiu que somente através da luta armada seria possível derrubar a ditadura.

Com um grande otimismo, a esquerda acreditava que era possível se armar, lutar e vencer, pois o povo certamente iria aderir. À medida que a ditadura proibia pela força qualquer tipo de participação política democrática, velhos e novos militantes aderiam a organizações como: ALN (Ação Libertadora Nacional), PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário), VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), entre outras.

Embora o espaço político fosse majoritariamente reservado aos homens, nas décadas de 60 e 70 ocorria um fenômeno que marcaria para sempre a história da participação feminina na política brasileira.



As Mulheres na Luta Armada


Contrariando inúmeras teses, a luta armada não foi um exercício de intransigência da esquerda, mas sim um duro e penoso enfrentamento ao Estado militarizado que em 21 anos foi responsável por cerca de 352 mortes (oficiais), 144 desaparecimentos, 2 mil torturados, 4.500 pessoas privadas de direitos civis, 10 mil exilados e 2.828 sentenciados à prisão pela Justiça Militar, tudo isso sem contar a violência contra os sindicatos, a imprensa, as entidades estudantis e a sociedade civil.

Indignadas com esse cenário de autoritarismo e violência, inúmeras mulheres aderiram ao sonho de derrubar a ditadura e libertar o povo da opressão. Adentraram no espaço público, pegaram em armas e fizeram história.

É certo que muitas dessas mulheres enfrentaram a oposição da família e da sociedade ao optar por esse caminho. Deixaram para trás - como todos os que atuaram nesse palco da história do Brasil - sonhos, amores, trabalhos, enfim, uma vida inteira para lutar por ideais.

É muito difícil precisar a quantidade de mulheres que foram à luta armada. Os números mais próximos fazem parte do levantamento realizado pelo Projeto Brasil Nunca Mais em 707 processos judiciais militares relativos ao período. No entanto, somente 695 deles puderam ser submetidos ao cruzamento de informações e levantamento de dados. Nesses 695 processos constatou-se que 7.367 cidadãos foram denunciados por atuação contra a ditadura. Desse total, 12% são mulheres, nos levando à marca de 884 militantes do sexo feminino.


Caixa de texto:

Não há como identificar quantas mulheres realmente participaram da luta armada, mas podemos observar que elas marcaram significativamente sua presença nesse movimento.

A participação feminina na luta armada implicou não apenas em sua insurgência contra a ordem política vigente, mas representou uma profunda transgressão ao que na época era designado espaço próprio das mulheres, ou seja, o espaço privado em que lhes restava apenas o papel de esposa, mãe e dona-de-casa, com exceção das operárias, que além de conquistar espaço no mercado de trabalho, tinham participação ativa no movimento sindical. Ao pegarem em armas, essas mulheres romperam tabu e, com certo êxito, conquistaram sua emancipação, conquistando, assim, seu lugar na história política do país.


O Prazer e a Dor de Ser uma Mulher Guerrilheira

Conquistar espaço na política foi uma vitória para as mulheres. Embora algumas tenham sofrido com o machismo de seus companheiros de organização, no início as mulheres tinham o privilégio de circular sem despertar a atenção dos militares. Por causa disso, conseguiam manter uma "fachada legal", o que garantiu a sobrevivência por mais tempo das organizações clandestinas.

Caixa de texto:

Durante algum tempo, foram até musas, como a militante Renata Guerra de Andrade (da VPR), conhecida como "a loura dos assaltos". Mas, quando caíram nas mãos da repressão eram única e exclusivamente inimigas do regime e aí sentiram a dor de ser guerrilheira.

Para a repressão a mulher não tinha capacidade de decidir por si só sua entrada no mundo político, portanto, para os militares a "mulher subversiva" era uma mulher desviante dos padrões normais definidos pela sociedade, assim, desmoralizavam-as com duas idéias: a de que estavam na luta buscando homens, então eram "putas comunistas"; ou eram mulher-macho, ou seja, homossexuais.

A repressão entendia que ao se insurgir contra o regime militar a mulher cometia dois pecados: o de lutar juntamente com os homens e o de ousar sair do espaço privado e adentrar no espaço público, político, que historicamente era exclusivamente masculino. A pena para isso foi a tortura sem limites.

Caixa de texto:

Foram várias as formas de tortura aplicadas às mulheres, no entanto, a forma recorrente foi a ameaça de tortura física, de estupro e prisão/tortura de seus familiares. Além disso, eram constantemente humilhadas através da nudez e da vendagem dos olhos.

A sanha dos torturadores foi tamanha contra as mulheres que a militante Sônia Angel Jones (do MR-8) teve os dois seios arrancados durante a tortura que a levou à morte.

Dulce Maia (da VPR) revelou em seu relato para o jornalista Luiz Maklouf de Carvalho a violência da tortura: "O sargento metia a cabeça entre as minhas pernas e gritava: ´Você vai parir eletricidade´" . Dulce sobreviveu à tortura, mas até hoje sofre com as sequelas da violência de seus seviciadores.

Em outro relato contundente sobre a tortura prestado por Maria Auxiliadora Lara Barcelos para o livro Memórias das Mulheres no Exílio fica evidente as marcas profundas deixadas pela violência: "Foram intermináveis dias de Sodoma. Me pisaram, me cuspiram, me despedaçaram em mil cacos. Me violentaram nos meus cantos mais íntimos".

Apesar de tudo, todas viveram intensamente a vida. Em situações de clandestinidade "havia intensidade em cada instante" , como afirma a ex-guerrilheira Nancy Mangabeira Unger (do PCBR).

Caixa de texto:

Todas evidentemente sofreram com as perdas e a destruição de um sonho partido em milhões de cacos. Entretanto, há um lado positivo em tudo isso, como relata a ex-guerrilheira Iara Xavier Pereira (ALN): "Nós fomos a geração que optou por enfrentar o regime militar em um momento em que isto era absolutamente necessário. Não éramos loucos nem terroristas sanguinários. Éramos jovens comprometidos com um ideal".

Por fim, valem as palavras da ex-guerrilheira Sônia Lafoz (ALN): "Não massageio meu próprio ego, mas tiro o chapéu para os homens e mulheres que tiveram a coragem de enfrentar aquela situação. No que diz respeito a nós, mulheres, as que pegaram ou não pegaram em armas, foi um momento singular de participação histórica. Devo dizer que eu faria tudo de novo".


* Todos os relatos desse artigo foram retirados do livro Mulheres que foram à luta armada, do jornalista Luiz Maklouf de Carvalho.

Vanessa Gonçalves da Silva é jornalista formada na Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e mestranda em História Social na Universidade de São Paulo (USP), onde realiza uma dissertação sobre o papel e a importância das mulheres na luta armada no Brasil (1964-1985). Contato: vangoncalves@gmail.com

Golpe de 64: Memórias de um Guerrilheiro


50 ANOS DO GOLPE MILITAR NO BRASIL



Minha entrada na blogosfera, em outubro de 2010, já sob intensa perseguição de criminosos, me trouxe duas coisas muito importantes: visibilidade para a minha luta pessoal, com uma certa proteção à minha vida, e amigos virtuais, que, conhecendo as absurdas violências que vêm sendo desferidas contra mim, se aproximaram, abriram o coração, estenderam as mãos.

Um deles, hoje querido amigo-irmão, companheiro de blogosfera e de utopia, o extraordinário jornalista, escritor e blogueiro Celso Lungaretti, alguns anos mais velho que eu, entrou para a luta armada na década de 60, no mesmo grupo da destemida guerrilheira Dilma Rousseff, anos depois sendo presos e barbaramente torturados, como tantos outros jovens idealistas.

Eu também teria ido para o confronto mais radical, mas ainda era uma menina ingênua, cursando o ginásio numa escola pública da longínqua periferia de São Paulo, onde as notícias das atrocidades cometidas pelos militares pouco chegavam.

Ditadura Nunca Mais !!!


Celso Lungaretti, grande revolucionário


No dia que a liberdade foi-se embora


Celso Lungaretti, em seu blog, Náufrago da Utopia





Eu tinha 13 anos em 31 de março de 1964.

Puxando pela memória, só consigo me lembrar de que a TV vendia o golpe de estado em grande estilo, insuflando tamanha euforia patrioteira que os cordeirinhos faziam fila para atender ao apelo "dê ouro para o bem do Brasil!".

Matronas iam orgulhosamente tirar suas alianças e oferecê-las aos salvadores da Pátria, torcendo para que as câmeras as estivessem focalizando naquele momento solene.

Desde muito cedo eu peguei bronca dessas situações em que a multidão se move segundo uma coreografia traçada por alguém acima dela, com cada pessoa tanto esforçando-se para representar bem seu papel... que acaba parecendo, isto sim, artificial e canastrônica.

De paradas de 7 de setembro a procissões, eu não suportava a falsa uniformidade. Gostava de ver cada indivíduo sendo ele próprio, igual a todos e diferente de todos ao mesmo tempo.

E, na preparação do clima para a quartelada, houvera a Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade. Aquelas senhoras embonecadas e aqueles senhores engravatados me pareceram sumamente ridículos.

Aqui cabe uma explicação: duas fortes influências me indispunham contra o patético desfile daquela classe média abasta(rda)da, que detestava tanto o comunismo quanto o samba, talvez porque fosse ruim da cabeça e doente do pé.





Minha família era kardecista e, quando eu tinha oito, nove anos, me levava num centro espírita cujo orador falava muito bem... e era exacerbadamente anticatólico.

A cada semana recriminava a riqueza e a falta de caridade da Igreja, contrastando-a com a miséria do seu rebanho. Cansava de repetir que Cristo expulsara os vendilhões do templo, mas estes estavam todos encastelados no Vaticano.

Vai daí que, cabeça feita por esse devoto tardio do cristianismo das catacumbas, eu jamais poderia aplaudir um movimento de católicos opulentos.

E devorara a obra infantil de Monteiro Lobato inteira. Com ele aprendera a prezar a simplicidade, desprezando a ostentação e o luxo; a respeitar os sábios e artistas, de preferência aos ganhadores de dinheiro.

Mas, afora essa rejeição, digamos, estética, eu não tinha opinião sobre a tal da Redentora.

Escutava meu avô dizendo que, se viesse o comunismo, ele teria de dividir sua casa com uma família de baianos (o termo pejorativo com que os paulistas designavam os excluídos da época, predominantemente nordestinos).

Registrava a informação, que me parecia um tanto fantasiosa, mas não tinha certeza de que Vovô estivesse errado.




O certo é que os grandes acontecimentos nacionais me interessavam muito pouco, pois pertenciam à realidade ainda distante do mundo adulto.

Na canção em que Caetano descreveu sua partida de Santo Amaro da Purificação para tentar a sorte na cidade grande, ele disse que "no dia que eu vim-me embora/ não teve nada de mais", afora um detalhe prosaico: "senti apenas que a mala/ de couro que eu carregava/ embora estando forrada/ fedia, cheirava mal".

Da mesma forma, o dia que mudou todo meu futuro - seja o 31 de março do calendário dos tiranos, seja o 1º de abril em que a mentira tomou conta da Nação - não teve nada de mais.

Gostaria de poder afirmar que, logo no primeiro momento, percebi a tragédia que se abatera sobre nós: estávamos começando a carregar uma fedorenta mala sem alça, da qual não nos livraríamos por 21 longos anos.
Mas, seria abusar da licença poética e eu não minto, nem para tornar mais charmosas as minhas crônicas.

Os mentirosos eram os outros. Os fardados, as embonecadas e os engravatados.




Destaques do ABC!

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sábado, 29 de março de 2014

Mídia golpista deflagra "Operação Ditabranda"


50 ANOS DO GOLPE MILITAR NO BRASIL








Operação ditabranda a todo vapor


Miguel do Rosário


São todos muito espertos, muito astutos, muito inteligentes. Os donos do dinheiro sabem escolher a dedo aqueles que merecem espaços em seus jornais.

Alguns são tão espertos que é possível ler seus textos de duas maneiras. Aqueles que são contra a ditadura, leem-nos como uma crítica à ditadura. Os que são a favor da ditadura, leem como um elogio à mesma.

É preciso tirar o chapéu. Eles merecem os altos salários que ganham!

Todos eles tomam extremo cuidado, naturalmente, quando falam do golpe. Ninguém quer ser contra a democracia. Não queriam nem em 1964, tanto é que deram o golpe em nome da “democracia”.

Mas a sensação que eu tenho é de que se deflagrou uma verdadeira “operação ditabranda”, na qual os escribas da mídia fazem um joguinho sujo: tentam relativizar a ditadura.

Primeiro foi o Jabor, dizendo que o golpe de 64 foi uma “porrada necessária”.

Depois veio Elio Gaspari, com um discurso um pouco mais disfarçado, porém conseguindo, com incrível eficácia, enfiar uma associação de Dilma com a ditadura.

Gaspari é mestre na técnica de dar um significado duplo ao texto: pode-se ler o texto da esquerda para a direita, ou da direita para a esquerda.

Por exemplo, ele escreve que “hoje as duas visões sobrevivem e no ano passado a doutora Dilma flertou com uma Constituinte exclusiva com adereços plebiscitários”.

Adereços plebiscitários?

O dispositivo do plebiscito está na Constituição e deveria ser mais usado. É a voz do povo. Volto a tirar o chapéu para Gaspari: a expressão “adereço plebiscitário” aplica, de forma brilhante, a técnica de transformar democracia em golpe e golpe em democracia.

Nesta sexta-feira, a Folha publica um artigo de Carlos Chagas (que é pai da Helena Chagas, ex-Secom, mas prefiro acreditar que isso não quer dizer nada) que me pareceu um exemplo magnífico de astúcia.

É um artigo tão inteligente! O título é tipicamente “ditabranda”: Não foi bem assim como dizem hoje. Mas até aí tudo bem. Nada é bem assim como dizem hoje. É um raciocínio coringa, que pode ter qualquer sentido.

Chagas vai criticando a ditadura, elogiando a democracia, até que encerra com uma pirueta bizarra, fazendo um elogio babão e “patriótico” ao golpe:


O mundo não está dividido entre mocinhos e bandidos? Ah, o Homer Simpson vai adorar ler isso! Os militares “contribuíram para esse verdadeiro milagre que é a preservação da unidade nacional”.

Permitam-me uma manifestação bem vulgar: ?????????????????

O que isso quer dizer?

Isso me lembra muito um rapaz bobinho que eu conheci uma vez, que veio com o papo de que “Hitler” construiu muitos trens. Ele não era exatamente um rapaz de “direita”. Não tinha ideologia nenhuma. Era um programador que tinha lido “Minha Luta”, do Hitler, e achado “legal”. Depois procurou alguns textos elogiosos ao ditador alemão e engoliu.

Ainda na sexta-feira, outro colunista da Folha, Reinaldo Azevedo, completa o show. Azevedo tem seu estilo próprio, de macaco numa loja de cristais. Não tem sutileza nenhuma. Mas dá conta do recado. Ele encerra o texto chamando Goulart de “golpista incompetente”.

Ora, se Goulart era “golpista”, então os que o derrubaram eram “democratas”.

Pelo jeito, teremos que esperar mais cinquenta anos para que a ditadura não seja relativizada.