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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Mulheres revolucionárias

Assim como a presidenta Dilma, também participei da resistência contra a feroz e brutal ditadura militar (1964-1985), que levou 21 longos anos para ruir.

Anos mais nova, enquanto ela estava encarcerada e era barbaramente seviciada no início dos anos 70, eu ainda cursava o colégio estadual em bairro operário na periferia da cidade de São Paulo. 

Em meados da década de 70, cheguei à maior universidade brasileira. Foi nesse ambiente e nessa época, em que o movimento estudantil de resistência fervilhava, promovendo assembleias, atos públicos, passeatas, que passei a atuar contra o regime de exceção, dentro e fora da universidade.

Mais de uma década depois, no início da redemocratização do País, já na área editorial, fui convidada a estruturar uma editora de esquerda, e tive oportunidade de fazer a produção editorial de um livro importante na época, Rosa, a Vermelha, sobre a vida e a obra da revolucionária Rosa Luxemburgo. O filme da diretora Margarethe von Trotta que levou para as telas a vida e a trágica morte de Rosa estava para ser lançado no Brasil.

Olhando para trás por um momento... recordando aqueles "anos de chumbo", e voltando ao presente, pensando na presidenta Dilma, em sua história de vida, de perseguida, presa e torturada, senti alegria, contentamento, por ter vivido e estar vivendo momentos tão especiais na história brasileira.

Assim como Rosa, a presidenta manifestou sua indignação contra o arbítrio e o autoritarismo e começou sua militância revolucionária muito jovem, nos anos de colégio.

A biografia de Dilma nesse aspecto foi muito atacada na campanha eleitoral. Elites, mídia, setores mais retrógrados e conservadores não tiveram ou não quiseram ter a grandeza de reconhecer o extraordinário nos anos de guerrilheira da presidenta.


Presidenta Dilma Rousseff passa em revista as tropas das Forças Armadas após cerimônia no Congresso Nacional _(Brasília, DF, 01/01/2011) _Foto: Roberto Stuckert Filho/PR
                                                                                              Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

Para mim, o que foi condenado na história de vida de Dilma era e é, na verdade, o fundamento principal, o motivo maior para colocá-la na Presidência. Sua resistência corajosa ao arbítrio, sua superação dos traumas do cárcere e tortura, sua reconstrução de vida pessoal e profissional só podem ser fonte de orgulho e reverência para todos nós brasileiras e brasileiros civilizados.

Abaixo, reproduzo um texto introdutório que escrevi em 1988 para o capítulo que reune cartas selecionadas de Rosa Luxemburgo no livro Rosa, a Vermelha.



Revolução e humanismo


Revolucionária militante, teórica marxista, pensadora rigorosa, combatente incansável.

Quando se fala de Rosa Luxemburgo, pensa-se imediatamente num destes aspectos, fundamentais, certamente, na complexa personalidade desta mulher que marcou com a vida, a obra e a trágica morte a história da revolução e do movimento pelo socialismo no século XX.

Além de numerosos ensaios e artigos de caráter político-econômico, ainda hoje pouco ou mal conhecidos, Rosa Luxemburgo escreveu vários artigos sobre arte e literatura, e cartas, que só recentemente têm chegado ao conhecimento do público. E é sobretudo nas cartas que encontramos uma outra dimensão desta personalidade apaixonante: a mulher sensível, a amiga fiel, a amante apaixonada, o ser humano desconhecido.


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"A mais implacável energia revolucionária e a mais generosa humanidade, eis aquilo que inspira o verdadeiro socialismo. Um mundo deve ser arrasado, mas a mínima lágrima vertida que pudesse ter sido impedida é uma acusação."


Revolução e humanismo, dureza e ternura, racionalismo e sensibilidade, firmeza, indignação e rebeldia, temperados por romantismo, emoção e paixão - sua correspondência revela-nos a concepção de existência da revolucionária, e permite-nos divisar uma verdadeira escritora e uma mulher fascinante.

Também como escritora de cartas Rosa foi muito produtiva: escrevia aos pais, a cada um dos quatro irmãos, a amigos, camaradas e socialistas de toda a Europa, ora reafirmando/esclarecendo suas posições políticas, se indignando contra a exploração, a covardia e a injustiça, ora simplesmente manifestando sua dimensão sensível e sonhadora:

"Espero morrer no meu posto: numa luta de rua ou na prisão." (a Sônia Liebknecht)

"A revolução é grandiosa: tudo o mais não passa de bagatela." (a Emanuel e Mathilde Wurm)

"O mundo é tão belo apesar de todos os horrores e sê-lo-ia ainda mais se não houvesse sobre a terra poltrões e covardes." (a Mathilde Wurm)

"A passagem de sua carta que mais me causou prazer foi aquela em que você diz que somos ainda jovens e capazes de arrumar nossa vida pessoal. Oh, Dyodyo, meu adorado, como desejo que você mantenha a promessa! (...) Nosso pequeno apartamento, nossa mobília, nossa biblioteca; trabalho tranquilo e regular, passeios a dois, uma ópera de tempos em tempos, um pequeno, bem pequeno, círculo de amigos que podem algumas vezes ser convidados para jantar; todos os anos férias no campo, um mês sem nenhum trabalho! (...) E, talvez, um bebezinho também? Não poderemos, nunca? Nunca? Dyodyo, sabe o que me aconteceu de repente durante um passeio pelo Tiergarten? Sem exagero! De repente, uma criancinha, de três ou quatro anos, loura, bem-vestida, se plantou na minha frente, a me olhar. Invadiu-me uma compulsão de raptar a criança, fugir para casa e guardá-la para mim. Dyodyo, será que nunca terei um bebê?

Nunca mais brigaremos em casa, não é? Nosso lar precisa ser calmo e tranquilo como o das outras pessoas. Sabe o que me preocupa? Sinto que já estou velha e feia. Você não terá uma mulher bonita com quem possa passear de braço dado pelo Tiergarten. (...)

Dyodyo, querido! Ponho os braços ao redor de seu pescoço, beijo-o mil vezes. Gostaria, como sempre sonho, que você me erguesse em seus braços. Porém você sempre se recusa dizendo que sou muito pesada." (a Leo Jogiches, camarada e amante)

"E eu sorria para a vida na penumbra de meu cárcere, como se possuísse um segredo mágico, pelo qual tudo o que há de mau e de triste se transformaria em luz e felicidade." (a Sônia Liebknecht)

Engraçadas, duras, ternas, cáusticas, objetivas, românticas, irônicas, comoventes, vivas, sutis - sempre muito bem escritas, as cartas constituem uma importante fonte de conhecimentos a respeito da intelectual e da ativista política, da mulher inteligente e sensível, interessada em música, literatura, pintura, ciências naturais, ecologia etc., do ser humano de dimensão extraordinária que foi Rosa Luxemburgo.