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domingo, 12 de dezembro de 2010

Nunca antes na História deste País...

Fim de governo. Mais vinte dias, e Lula deixará saudades, esperanças, alegrias e muitas realizações. No artigo abaixo, Frei Betto faz um balanço crítico do governo Lula, apontando até o que ficou por fazer. E agradece ao Presidente, em nome de todos nós, cidadãos brasileiros.


Obrigado, Lula




Nunca antes na história deste país um metalúrgico havia ocupado a presidência da República. Quantos temores e terrores a cada vez que você se apresentava como candidato! Diziam que o PT, a ferro e fogo, implantaria o socialismo no Brasil.

Quanta esperança refletida na euforia que contaminou a Esplanada dos Ministérios no dia de sua posse! Decorridos oito anos, eis que a aprovação de seu governo alcança o admirável índice de 84% que o consideram ótimo e bom. Apenas 3% o reprovam.

O Brasil mudou para melhor. Cerca de 20 milhões de pessoas, graças ao Bolsa Família e outros programas sociais, saíram da miséria, e 30 milhões ingressaram na classe média. Ainda temos outros 30 milhões sobrevivendo sob o espectro da fome e quem sabe o Fome Zero, com seu caráter emancipatório, a tivesse erradicado se o seu governo não o trocasse pelo Bolsa Família, de caráter compensatório, e que até hoje não encontrou a porta de saída para as famílias beneficiárias.



Você resgatou o papel do Estado como indutor do desenvolvimento e, através dos programas sociais e da Previdência, promoveu a distribuição de renda que aqueceu o mercado interno de consumo. O BNDES tornou as grandes empresas brasileiras competitivas no mercado internacional. Tomara que no governo Dilma seja possível destinar recursos também a empreendimentos de pequeno e médio porte e favorecer nossas pesquisas em ciência e tecnologia.

Enquanto os países metropolitanos, afetados pela crise financeira, enxugam a liquidez do mercado e travam o aumento de salários, você ampliou o acesso ao crédito (R$ 1 trilhão disponíveis), aumentou o salário mínimo acima da inflação, manteve sob controle os preços da cesta básica e desonerou eletrodomésticos e carros. Hoje, 72% dos domicílios brasileiros possuem geladeira, televisor, fogão, máquina de lavar, embora 52% ainda careçam de saneamento básico.

Seu governo multiplicou o emprego formal, sobretudo no Nordeste, cujo perfil social sofre substancial mudança para melhor. Hoje, numa população de 190 milhões, 105 milhões são trabalhadores, dos quais 59,6% possuem carteira assinada. É verdade que, a muitos, falta melhor qualificação profissional. Contudo, avançou-se: 43,1% completaram o ensino médio e 11,1% o ensino superior.

Na política externa o Brasil afirmou-se como soberano e independente, livrando-se da órbita usamericana, rechaçando a Alca proposta pela Casa Branca, apoiando a Unasul e empenhando-se na unidade latino-americana e caribenha. Graças à sua vontade política, nosso país mira com simpatia a ascensão de novos governantes democráticos-populares na América Latina; condena o bloqueio dos EUA a Cuba e defende a autodeterminação deste país; investe em países da África; estreita relações com o mundo árabe; e denuncia a hipocrisia de se querer impedir o acesso do Irã ao urânio enriquecido, enquanto países vizinhos a ele, como Israel, dispõem de artefatos nucleares.

Seu governo, Lula, incutiu autoestima no povo brasileiro e, hoje, é admirado em todo o mundo. Poderia ter sido melhor se houvesse realizado reformas estruturais, como a agrária, a política e a tributária; determinado a abertura dos arquivos da ditadura em poder das Forças Armadas; duplicado o investimento em educação, saúde e cultura.

Nunca antes na história deste país um governo respaldou sua Polícia Federal para levar à cadeia dois governadores; prender políticos e empresários corruptos; combater com rigor o narcotráfico. Pena que o Plano Nacional dos Direitos Humanos 3 – quase um plágio dos 1 e 2 do governo FHC – tenha sido escanteado por preconceitos e covardia de ministros que o aprovaram previamente e não tiveram a honradez de defendê-lo quando escutaram protestos de vozes conservadoras.

Espero que o governo Dilma complemente o que faltou ao seu: a federalização dos crimes contra os direitos humanos; uma agenda mais agressiva em defesa da preservação ambiental, em especial da Amazônia; a melhoria do nosso sistema de saúde, tão deficiente que obriga 40 milhões de brasileiros a dependerem de planos de empresas privadas; a reforma das redes de ensino público municipais e estaduais.

Seu governo ousou criar, no ensino superior, o sistema de cotas; o ProUni e o Enem; a ampliação do número de escolas técnicas; maior atenção às universidades federais. Mas é preciso que o governo Dilma cumpra o preceito constitucional de investir 8% do PIB em educação.

Obrigado, Lula, por jamais criminalizar movimentos sociais; preservar áreas indígenas como Raposa Serra do Sol; trazer Luz para Todos. Sim, sei que você não fez mais do que a obrigação. Para isso foi eleito. Mas considerando os demais governantes de nossa história republicana, tão reféns da elite e com nojo do “cheiro de povo”, como um deles confessou, há que reconhecer os avanços e méritos de sua administração.

Deus permita que, o quanto antes, você consiga desencarnar-se da presidência e voltar a ser um cidadão militante em prol do Brasil e de um mundo melhor.

* Escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros
Fonte: jornal Sul 21 http://sul21.com.br

WikiLeaks: jornalismo ou criminalidade?

WikiNews

O jornal O Estado de S. Paulo ouviu quatro especialistas americanos das áreas jurídica, de política externa e de defesa sobre eventuais ameaças à liberdade de imprensa nos EUA com o vazamento de documentos sigilosos do governo americano e sua publicação pelo site WikiLeaks.

Perguntas que precisam ser urgentemente respondidas: Como proteger a segurança dos EUA sem ferir a liberdade de imprensa? Quem deve responder por eventual crime: quem vazou ou quem publica os documentos secretos? Julian Assange, criador do WikiLeaks, deve ser tratado como jornalista ou criminoso?

Leia os principais pontos da matéria, publicada hoje no portal do Estadão.


WikiLeaks traz à tona debate sobre limites

Quarenta anos após Papéis do Pentágono, EUA discutem alcance da Primeira Emenda


Tratado como uma ameaça à segurança nacional pelo governo dos EUA, o vazamento de documentos secretos pelo site WikiLeaks não pode limitar a liberdade de expressão no país. A conclusão é de quatro especialistas das áreas jurídica, de defesa e de política exterior consultados pelo "Estado".

Em sintonia, todos reconheceram que o episódio inaugurou uma nova série de dificuldades para as democracias, sobretudo a americana, manterem informações sensíveis sob sigilo sem coibir a liberdade de imprensa. Nos EUA, ela é uma garantia protegida pela Primeira Emenda da Constituição e tratada com deferência e orgulho. O texto expressa a proibição de formular leis para cercear a livre expressão e o trabalho da imprensa.

Diante do vazamento dos 251 mil telegramas diplomáticos, há duas semanas, o Departamento de Estado definiu o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, como um "criminoso" e "anarquista". No entanto, isentou de culpa os veículos de mídia que receberam o material do site em primeira mão.

"Nada do que ocorreu muda a importância que atribuímos à liberdade de imprensa. A existência de uma imprensa vibrante é vital para qualquer democracia", afirmou Philip Crowley, porta-voz do Departamento de Estado.

Responsável pela defesa jurídica do jornal The New York Times na época da publicação dos Papéis do Pentágono, nos anos 70, o jurista Floyd Abrams teme que a Primeira Emenda não seja suficiente para impedir ações legais do governo contra Assange ou para conter futuras ameaças legais ao trabalho da imprensa.

Em sua opinião, "perigosos limites" à atividade jornalística podem surgir em função de pressupostos de segurança nacional e de direito à privacidade. "Esse é um interessante caso de liberdade de expressão, porém significa uma potencial ameaça à segurança nacional dos EUA", disse.

"Se os EUA processarem Assange, será uma controvérsia e novas regras podem surgir para ameaçar a imprensa americana", disse Abrams. O jurista avalia que a responsabilidade maior deverá recair sobre o autor da entrega dos telegramas para o WikiLeaks, supostamente um funcionário público - a culpa tem sido atribuída ao soldado Bradley Manning.

Allen Weiner, diretor do Programa de Direito Internacional e Comparado da Universidade Stanford, acredita que o centro da discussão é o roubo. "Esse caso não é de Primeira Emenda, é um caso de roubo de informação do governo americano. É o mesmo que alguém entrar na sua casa, roubar um vídeo com imagens embaraçosas e entregá-lo a sites jornalísticos da internet."

Lawrence Korb, especialista em política internacional do Centro para o Progresso Americano, defende a divulgação de qualquer segredo oficial. Como referência, menciona a invasão ao Iraque, em 2003, que teve como base a necessidade de eliminar um arsenal de armas de destruição em massa, que nunca foi encontrado pelo Exército americano. Posteriormente, essas "provas" acabaram desmentidas.

A criação de concorrentes do WikiLeaks, sob seu ponto de vista, é oportuna e bem-vinda. Pelo menos mais dois sites do gênero já entraram em operação. Dedicado ao vazamento de informações secretas da União Europeia, o OpenLeaks foi fundado pelo alemão Daniel Domscheit-Berg, ex-companheiro de Assange no WikiLeaks. Em Nova York, o arquiteto John Young criou o Cryptome.

"O direito dos cidadãos de saber como, onde e porque os EUA empregam suas forças é fundamental", defendeu Korb.

William Hartung, especialista da área de segurança da Fundação Nova América, ressalta a dificuldade de o governo americano controlar as informações. Mas defende a divulgação. "De qualquer maneira, a divulgação faz mais sentido do que a restrição", afirmou.

Denise Chrispim Marin/OESP
12.12.2010